S. CIPRIANO
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Entramos no jeep e seguimos para o meio do povoado sem pensar em visitar a capela da Senhora dos Remédios, no lugar de Nogueira. Paramos, isso sim, junto do café para beber qualquer coisa e comer os restos que trazíamos do piquenique em Feirão.
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- Então, vocês vêm connosco? – perguntei.
- Aonde? – inquiriu Joaninha.
- É surpresa do Zé Fernandes, mas vamos dar uma volta pelo centro de S. Cipriano e, depois, logo se vê – confirmei eu com uma cara que despertava a curiosidade.
- Acreditem que vão gostar. Encontramo-nos daqui a meia hora na entrada da Lagariça - combinou Zé Fernandes.
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Viramos à esquerda. Ao fundo, na Rua Irmãos Monteiro, encontra-se a Casa e Quinta do Prado, com a sua Capela, onde viveu um antigo Presidente da Câmara, Dr. Pinto Leite.
- Irmãos Monteiro? - perguntou Maria Eduarda
- Foram três irmãos que fizeram fortuna em África e que não esqueceram a terra que os viu nascer – disse Zé Fernandes
- Como? – perguntou Maria Eduarda.
- Grandes beneméritos. Construíram a cantina escolar, salão recreativo, consultório médico. Enfim, estamos a falar de tudo isto construído, não agora, mas em meados do século passado quando não havia nada disto em muitos locais do País. Quem os acompanhava e instigava era o Sr. Álvaro Cochofel da casa que vamos visitar daqui a pouco, na Lagariça. Olhem, aqui na Igreja, este cruzeiro da Restauração e o pavimento da própria igreja foram iniciativas do Sr. Cochofel – mostrou Zé Fernandes.
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Chegamos ao cruzamento com a estrada que vem de Freigil, viramos à esquerda e, em breve, estávamos a estacionar à porta do cemitério onde se encontrava um colorido autocarro.
- Banda Musical de S. Cipriano – A Velha? - inquiri.
- Sim. Vocês não repararam, mas há pouco, passamos junto do edifício de construção recente que é a sede da Banda Musical de S. Cipriano – A Nova; em S. Cipriano existem duas bandas musicais que têm uma longa e conturbada história; existem desde o século XIX. Havia festas populares onde acabava tudo à pancada. Hoje convivem pacificamente, mas com imenso bairrismo e são apreciadas pela sua qualidade. Aliás, S. Cipriano é conhecida pela “Aldeia da Música” – informou Zé Fernandes.
Saímos da estrada principal e, uma centena de metros à frente, estacionamos num largo em que um portão semiaberto nos indicava o caminho a seguir para a Casa da Torre da Lagariça.
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Começamos a descer por um estradão em terra, ladeada por avelaneiras e vinha. Ao chegarmos à primeira curva, Zé Fernandes parou à nossa frente, dizendo:
- Podíamos ir por aqui abaixo em direção à casa, mas vamos entrar na mata, sentindo os diversos estados de alma que este espaço nos proporciona.
- Tem piada - retorquiu Maria Eduarda. O meu avô também usou o termo “estados de alma” para me contar uma visita que fez a esta casa, por volta de 1950, em que trouxe no carro dois médicos das Caldas, o Dr. Jaime Magalhães e o Dr. Eurico Esteves e um médico de S. Martinho de Anta de nome Dr. Adolfo Rocha….
- Miguel Torga - respondi eu de imediato.
- É verdade. Não foi só o Eça que andou por aqui. Miguel Torga também aqui esteve e, há quem diga que Camilo Castelo Branco também - continuou Zé Fernandes.
- É bem possível. Camilo escreveu sobre a Torre de Chã. As torres são idênticas, ambas com os brasões dos Pintos e é aqui bem ao lado em Ferreiros - falou José Videira.
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- É o sino da Igreja de Ramires a dar as 19 horas. Ouviste como é fantástico este silêncio? Ouvimos a água do Cabrum, o sino de Ramires e, daqui a pouco veremos o pôr-do-sol na Lagariça.
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- Sabes que eu conheço isto bem. Afinal, sou ou não sou do “romance”? – questionou José Videira.
- “Ah! A romântica torre, cantada tão meigamente ao luar pelo Videirinha, quantos tormentos abafara!...”,Carlos recordou esta passagem de Eça na Ilustre Casa de Ramires e, virando-se para Mary e, em ar de chacota, foi dizendo: Cuidado com o Videirinha. Não é de confiança! Mas, afinal, por onde vieram?
- Como já conhecemos a mata, viemos até à Eira Velha e seguimos pelo caminho da Via Sacra - explicou Mary.
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De facto, o fim do dia aproximava-se. O sol já estava próximo da linha do horizonte e, a “Torre medieval, quadrada e negra” como dizia Eça, estava ali na nossa frente.
- Gostava que reparassem nas janelas geminadas e, aqui - Zé Fernandes empolgado apontava com o dedo para o local por onde era lançado o azeite a escaldar quando eram atacados. Trata-se de uma mísula/mata cães com um orifício.
- Venham ver o pôr-do-sol - gritou Joaninha encostada às ameias no extremo da casa virado para o Cabrum.
Corremos todos para lá, e….
O silêncio era total. O som estridente do relógio da Igreja de Ramires voltava a fazer-se ouvir. Ao som da água do Cabrum que corria em direção ao Douro juntava-se o coaxar das rãs alertando-nos para o que havia para além daquele silêncio. Durante o dia, o calor não nos tinha largado, mas agora, com a aproximação da noite e a visão de algumas estrelas mais brilhantes, acompanhado de uma ligeira brisa, tornava o ambiente mais fresco e agradável. Lá longe, no horizonte distante, paisagens naturais com milhares e milhares de histórias para contar, entrelaçavam os montes dos Concelhos de Resende, Cinfães e Baião com um vislumbre ligeiro das terras do Porto tentando clamar que aqui nasceu Portugal.
O céu muito claro e azul, contracenava com o laranja avermelhado de um sol que brevemente nos ia deixar.
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(Passagem do livro “Resende não é só cavacas” a lançar em Caldas de Aregos no próximo dia 7 de maio)
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